sábado, 7 de janeiro de 2012

PARA UM CRISTIANISMO QUE TRANSFORME

Partimos de um fato concreto que nos orgulhamos muito: nós somos pessoas inteligentes. Se isto é verdade, deveria ser uma verdade, igualmente, o fato de sabermos o que queremos. Estamos num mundo em constante mudança, devemos nos perguntar o que queremos construir. Diante de tantas perguntas e questionamentos uma querela não sai de minha cabeça: por que um continente de crentes cresce em desigualdade social? Por que não estamos sabendo mais nos comportar, nos entender, nos respeitar, cuidar da criação e cuidarmos uns dos outros? Estas não deveriam ser atitudes de pessoas que têm inteligência?

               Penso que partes do cristianismo, ou alguns cristãos – e me preocupo com muita força para que eu não seja um deles – volta a colocar máscaras, a pior delas é a chamada “teologia da prosperidade”. O que seria isto? A propaganda de um Deus que me abençoa na medida que eu contribuo com ele, uma espiritualidade de benefícios particulares onde o que importa é, muitas vezes, o eu pessoal. Se eu sou bonzinho com o Senhor, sou fiel, ele me abençoa com saúde, bens, uma família perfeita, ou, se eu fizer algo errado ele me condenará, tirará de mim tudo que puder, tornando a minha vida uma profunda imagem do próprio “demônio”. É uma visão presente no Antigo Testamento, só os ruins sofrem, os santos nunca sofrem, visão esta que começa a mudar com o pensamento e meditação Sapiencial, especialmente com o Livro de Jó, um homem justo e santo que sofre e que vai descobrindo que o sofrimento também pode ser transformado em experiência de fé. Mas o que queremos dizer é que estas idéias são exploradas ainda no mundo de hoje, e, o que é pior, para manter as pessoas em verdadeiros currais religiosos, num novo tipo de Egito com os seus respectivos faraós. Vejo só algumas Igrejas cristãs, ou pelo menos partes delas, preocupadas. Para o comércio é ótimo que a religião incite o consumismo e egoísmo. A verdade de Cristo não beneficia a mim mas ao todo; um mundo egoísta não quer o Cristo messias como ele se apresentou, quer o Cristo poderoso que pode facilitar minha vida. “Morrer para viver” torna-se uma proposta de louco, descartada para uma sociedade que está mais preocupada com o que sente e não com a realidade das coisas. Quando eu vejo este mundo de facilidades – e não estou querendo dizer que ser cristão é sofrer, muito menos gostar de coisas difíceis – lembro de algumas palavras do Senhor: “ Entrai pela porta estreita! Pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram! Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram! (Mt 7,13s).

               Permanecerá cristão, Igreja, quem entender o Cristo e a Igreja. Se não houver conversão, mudança de consciência, veremos nossa autodestruição mesmo com igrejas e templos cheios de gente. A pergunta é se nossos templos estão cheios de cristãos convictos, homens restaurados.

               Uma das grandes provas desta teologia da prosperidade é que as pessoas não querem pastores, mas manipuladores do poder sagrado. E não podemos negar que muitas vezes, nós os líderes, estamos escravizados pelo desejo da massa. O que importa, muitas vezes, é o número e não a qualidade, o coração das pessoas.

               Acreditamos e defendemos com todas as armas que Deus é amor e misericórdia quando queremos que este acreditar nos defenda em nossas libertinagens, quando o Deus misericordioso não nos “castiga” em nossas práticas egocêntricas e hedonistas. Porém quando tudo passa para o campo do sofrimento humano, ou de conseqüências de nossas escolhas, fraquezas e doenças, logo Deus deixa de ser todo poderoso, amoroso e misericordioso e passa a ser um sanguinário, vingador e massacrador de vidas, chegando a permitir que crianças e jovens sintam o peso da condenação que não merecem. Recuso-me a crer num Deus que não faz nada quando pessoas inocentes são dizimadas. Assim temos duas saídas: tiramos a culpa dele ou, com motivos, o afastemos de nossas vidas o quanto antes!  Um Deus que permite maldades, que espíritos, entidades ou energias façam o mal sem nenhum controle é mais fraco do que eu e do que muitos homens e mulheres, de muitas culturas e religiões, que lutaram e lutam para construir o bem. Mas o homem não faz o mal? E por que Deus não faz nada? Aí é outra história... o que estou querendo dizer é que muito do que colocamos nas costas de Deus é fruto de nossas escolhas e decisões, está dentro do espaço de nossas capacidades de resolver. “Nem 8 e nem 80”. Não podemos transformar o cristianismo em uma religião de satisfação, não podemos deixar Deus como culpado de todos os males do mundo e, muito menos, podemos deixar de pedir a ele misericórdia e sabedoria para crescermos.

               A questão é experimentar Deus. Não se experimenta porque não se vem para ser Igreja, se vem, às vezes, para um ritual, uma cerimônia. Falta silêncio, mística, etc. Não aproveitamos o que nossa Igreja nos oferece; as próprias pastorais não se fazem presentes, nos limitamos ao mínimo, todos nós. O povo e os jovens estão mais abertos a sensações do que a compromissos e adesões intelectuais e espirituais. Há, porém, uma diferença entre a fé do silêncio para a fé do imediato, da religião da certeza da presença para a religião dos sentimentos e satisfações imediatas. Não preciso ficar esperando e frustrado porque a Hóstia Consagrada não fala ou porque não vejo um anjo ou um santo do Céu, não preciso cair na onda do sentimentalismo religioso. Se eu tiver fé, se tivermos fé, ela nos dirá que Jesus está presente. Isto já é muito, já é o que precisamos para fazer um mundo melhor.

               Para aqueles que só criticam e que nunca vêem nada de positivo é bom lembrar algo importante: não podemos viver em função dos exemplos que não deram certo, precisamos construir juntos uma nova realidade. A missão não é para trazer todos para a Igreja Católica obrigados, nem encher os nossos templos, mas é para mudar estruturas injustas. Não adianta ter a igreja cheia se há muitas injustiças e não temos coragem de ir contra todas elas. Precisamos de qualidade e não quantidade, precisamos de coragem. E jamais teremos esta coragem se fizermos opção por um cristianismo da “teologia da prosperidade”. Prosperidade sim, ser um consumidor egoísta de Deus não. Fiquemos com o que nos diz Jesus em outro momento: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida a perderá, e quem perder a sua vida por causa de mim a salvará. Com efeito, de que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se e a arruinar a si mesmo?” (Lc 9,23-25)



Pe. Rômulo Azevedo da Silva

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